A SEXTA-FEIRA SANTA DA MINHA INFÂNCIA

Por Elinajara Pereira

O feriado da sexta-feira Santa era muito aguardado por nós. Minha mãe fazia bolos de trigo deliciosos, meu pai ia para a salina, lugar costeiro onde passava cerca de uma semana pescando peixes como tainha e urubarana, além de camarão.

Às vezes, a semana santa era sofrida. Com meu pai fora de casa e minha mãe com poucos recursos, tínhamos que passar a semana na fé de que “dia de pouco, véspera de muito”. Minha mãe sempre falava isso e a gente já se animava porque sabia que quando papai aparecesse ao longe na canoa, a fartura viria junto com ele.

Ao chegar, eu e meus irmãos corríamos para ajudar a trazer as coisas. Ao menos o remo eu carregava, toda feliz por estar ajudando. Havia cofos de camarão seco, camarão salpreso, peixes, às vezes caranguejo ou siri, alguns tipos de aves também, tudo em grande quantidade. Meu pai vendia e doava camarão a algumas pessoas que já ficavam à sua espera.

Minha mãe fazia o tão cobiçado bolo de trigo – tão adorado por nós – em grande quantidade, de vez em quando saía uma rodada de bolo com refrigerante. Era de lei que dois primos nossos fossem lá pra nossa casa, assim como dois afilhados de mamãe que são irmãos. A gente conversava bastante, mas não ligava som, até a TV era regrada, tínhamos respeito pelo dia. Quando alguém ousava levantar a voz, um outro já o lembrava da razão do feriado.

No almoço tínhamos um banquete farto e delicioso, feito com as mãos abençoadas de minha mãe, a quem eu tentava ajudar da forma como podia, seja batendo as claras dos ovos . O almoço era caprichado, com boas tortas de camarão preparadas com azeite de coco babaçu, ovos de galinha caipira e cheiro verde, não são como essas tortas que as pessoas enchem de vegetais e quase não se encontra o camarão. No cardápio havia ainda peixe frito, feijão, macarrão, arroz branco e farinha torradinha.

A gente almoçava, descansava e por volta de 14h vinha a saideira, a última rodada de bolo com refrigerante. Depois disso, íamos pra casa de nossos avós em Buritizeira. No final da tarde, a jornada do feriado estava completa. Era sempre um dia feliz, é impossível não lembrar com tanto carinho desses momentos.

Para me despedir desta crônica, vou citar um trecho de oração que minha mãe uma vez recitou, que aprendeu com o meu avô: “sexta santa sexta santa, três dias antes da Páscoa, quando Deus andou no mundo, por seus discípulos chamava, chamava de um a um, de dois em dois se ajuntavam…”

𝑶𝒔 𝒇𝒂𝒕𝒐𝒔 𝒏𝒂𝒓𝒓𝒂𝒅𝒐𝒔 𝒔𝒆 𝒑𝒂𝒔𝒔𝒂𝒓𝒂𝒎 𝒏𝒐 𝒊𝒏𝒊́𝒄𝒊𝒐 𝒅𝒐𝒔 𝒂𝒏𝒐𝒔 𝟐𝟎𝟎𝟎, 𝒆𝒎 𝑷𝒐𝒏𝒕𝒂𝒍 – 𝑩𝒆𝒒𝒖𝒊𝒎𝒂𝒐.

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