Por Luiz Antônio Morais*
Prestes a completar 268 anos de história, a Cidade dos Lagos, na Baixada Maranhense, ainda conserva um bucólico cenário colonial, de ruas de pedras, alguns casarões coloniais conservados, outros abandonados e outros prestes a desabar.
Completando o belo cenário natural, a nossa terra emerge como uma ilhota, cercada pelo Rosário de Lagos Maracu, rodeada de água por todos os lados, o que neste período permite passeios náuticos, mas também revela a fragilidade do nosso ecossistema, e também as dificuldades de locomoção pelas barrentas estradas vicinais, além da esburacada MA-014.
A Semana Santa presente contrasta com aquela que vivi na infância, quando os irmãos não brigavam, os pais não castigavam os filhos, falava-se baixo, não tomávamos banho no lago e, seguíamos o rigor das famílias católicas, predominantes do município.
Minha mãe, Hermínia, católica praticante, estabelecia as regras da Semana Santa, de acordo com os costumes e as tradições que aprendera, desde quando ainda era uma jovem quebradeira de coco no Povoado Prequeú.
Era ela que fazia cumprir entre a família os rituais de orações da semana. Porém o almoço da sexta-feira era organizado com uma gostosa torta de jabiraca (traíra seca desfiada), oriunda do lago e comprada com antecedência, numa época de fartura do pescado em Viana.
Ainda pela manhã, lá ia eu, pensativo e convicto dos meus ensinamentos religiosos e familiares; atravessava a Praça da Matriz, passando em frente à imponente Igreja, rumo à acolhedora residência dos meus padrinhos, Padre Eider Furtado e a lendária professora Edith Nair, onde era recebido com resignação, respeito e o tratamento que o momento permitia.
Quase que em um momento paralelo, assistíamos a primeira procissão do dia: homens fortes eram convocados a transportar, nos ombros, desde a rua grande até a catedral, as duas centenárias imagens do Senhor Morto e da Nossa Senhora das Dores, que ainda são guardadas carinhosamente – há dezenas de anos -, pela família Gouveia, na Rua Antônio Lopes.
Em frente à igreja, dezenas de meninos e meninas faziam fila para beijar os pés da imagem de Senhor, costume abandonado, mas a procissão fúnebre ainda acontece pelas ruas de pedra do município, realizada pela Diocese de Viana, sempre no final da tarde da Sexta-feira da Paixão, em honra da crucificação e da morte de Jesus.
Durante a Santa Missa, no início da tarde, chamava a atenção o lava-pés, onde o Bispo da época, o saudoso Dom Hélio Campos, seguia uma tradição católica, profundamente simbólica, remontando ao próprio Jesus Cristo e sua demonstração de humildade diante de seus discípulos. O ato era realizado em cidadãos conhecidos da comunidade, lavradores, negros, ou seja, uma prática com raízes históricas e culturais, que ainda nos dias de hoje traduzem valores de compromisso, amor e compaixão.
No retorno da procissão silenciosa, tínhamos a impressão de estar cumprindo um ritual de passagem de um ente querido. Reinava um misto de tristeza e paz, como se a missão estivesse cumprida, e éramos convidados a muitas reflexões sobre o nascimento, a vivência e a morte aqui na terra.
E, para a nossa alegria, chega o Sábado de Aleluia, Cristo ressuscitou! A vida é linda, segue em frente e é muito bom viver!
*Jornalista | Membro da AVL.